quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Caso Uniban


Estou tentando escrever sobre o caso da roupa na Uniban a um bom tempo, mas não estou conseguindo me expressar bem quanto eu queria , até que tive a oportunidade de ler "Contardo Calligaris" na folha de São Paulo e vou transcrever o seu artigo, pois ele foi extremamente justo ao narrar o episódio. Faço aqui meu comentário aos estudantes, cuidado: Há muitas, mas muitas faculdades picaretas que estão mais preocupadas com a roupas dos alunos que com a aprendizagem : valorizem seus diplomas!!
A turba da UNIBAN
Contardo Calligaris
As turbas tem um ponto em comum: detestam que a mulher tenham desejo próprio
Na semana passada, em São Bernardo, uma estudante de primeiro ano do curso noturno de turismo na Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo) foi para a faculdade pronta para encontrar seu namorado depois das aulas: estava de minivestido rosa,saltos altos, maquiagem - uniforme de balada.
O resultado foi que 700 alunos da Uniban saíram das salas de aula e se aglomeraram numa turba: xingaram, tocaram, fotografaram e filmaram a moça. Com seus celulares ligados na mão, como tochas levantantadas, eles pareciam uma ralé do século 16 querendo tocar fogo numa perigosa bruxa.
A história acabou com a jovem estudante trancada na sala de sua turma, com a multidão pressionando, por portas e janelas, pedindo explicitamente que ela fosse entregue para ser estuprada. Alguns colegas, funcionários e professores conseguiram proteger a moça até a chegada da PM, que a tirou da escola sob escolta, mas não pôde evitar que sua saída fosse acompanhada pelo coro dos boçais escandindo: "Puta, pu-ta, pu-ta".
Entre esses boçais, houve aqueles que explicaram o acontecido como um "justo" protesto contra a "inadequação" da roupa da colega. Difícil levá-los a sério, visto que uma boa metade deles saiu das salas de aula com seu chapéu cravado na cabeça.
Então, o que aconteceu? Para responder, demos uma volta pelos estádios de futebol ou pelas salas de estar das famílias na hora da transmissão de um jogo. Pois bem, nos estádios ou nas salas, todos (maiores ou menores) vocalizam sua opinião dos jogadores e da torcida do time de adversário (assim como do áritro, claro, sempre "vendido") de duas maneiras fundamentais: "veados" e "filhos da puta".
Esses insultos são invariavelmente escolhidos por serem, na opinião de ambas as torcidas, os que mais podem ferir os adversários. E o método da esclha é simples: a gente sempre acha que o pior insulto é o que mais ofenderia. Ou seja, "veados" e "filhos da puta" são os insultos que todos lançam porque são os que ninguém quer ouvir.
Cuidado: "veado", nesse caso, não significa genericamente homossexual. Tanto assim que os ditos "veados", por exemplo , são encorajados vivamente a pegar no sexo de quem os insulta ou a ficar de quatro para que possam ser "usados" por seus ofensores. "Veado", nesse insulto, está mais para "bichinha", "mulherzinha" ou, simplesmente, "mulher".
Quanto a "filho da puta", é óbvio que ninguém acredita que todas as mães da torcida adversa sejam profissionais do sexo. "Puta", nesse caso (assim como no coro da Uniban) , significa mulher licenciosa, mulher que poderia (pasme!) gostar de sexo.
Os membros das torcidas e os 700 da Uniban descobrem assim um terreno comum: é o ódio do feminino - não das mulheres como gênero, mas do feminino, ou seja, da ideia de que as mulheres tenham ou possa ter um desejo próprio.
O estupro é, para essas turbas, o grande remédio: punitivo e corretivo. Como assim? simples: uma mulher se aventura a desejar? Ela tem a impudência de "querer"? Pois vamos lhe lemrar que sexo, para ela, deve permanecer um sofriento imposto, uma violência sofrida - nunca uma iniciativa ou um prazer.
A violência e o desprezo aplicados coletivamente pelo grupo só servem para esconder a insuficiência de cada um, se ele tivesse que responder ao desejo e às expectativas de uma parceira, em vez de lhe impor uma transa forçada.
Espero que o Ministério Público persiga os membros da turba da Uniban que incitaram ao estupro. Espero que a jovem estudante encontre um advogado que a ajude a exigir da própria Uniban (incapz de garantir a segurança de seus alunos) todos os danos morais aos quais ela tem direito. E espero que com isso, a Uniban se interrogue com urgência sobre como agir contra a ignorância e a vulnerabilidade aos piores efeitos grupais de 700 de seus estudantes. Uma sugestão, só para começar: que tal uma sessão de "Zorba, o Grego", com redação obrigatória no fim?
Agora, devo umas desculpas a todas as mulheres que militam ou militaram no feminismo. Ainda recentemente, pensei ( e disse, numa entrevista) que, ao meu ver, o feminismo tinha chegado ao fim de sua tarefa histórica. Em particular, eu acreditava que , depois de 40 anos de luta feminista, ao menos um objetivo tivesse sido atingido: o reconhecimento pelos homens de que as mulheres (também) desejam. Pois é, os fatos provam que eu estava errado.