quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Vontade de viver...

Procurando  respostas ... questionando tanto  , querendo explicação, encontro essa crônica no Livro 'Dóidas e Santas'  de Martha Medeiros que  ganhei da minha irmã Ciça.



A Pior Vontade de Viver



Todos são tão compreensivos, aceitam tão bem suas escolhas, torcem por tudo o que você faz, não é mesmo?Desde que você faça o que está no script. Que siga o que foi determinado no roteiro, aquele  que foi escrito sabe-se lá por quem e homologado no instante mesmo em que você nasceu.Mas  e quem não quiser seguir esse script?

Encontrei no conto Amor, do livro Laços de Família de Clarice Lispector, uma de minhas frases prediletas.Assim ela  descreve o sentimento da personagem Ana:"Seu coração enchera-se com a pior vontade de viver".

Ela é complexa, angustiante, subjetiva e intensa. Ela,  a pior vontade de viver. A que não está disposta a negociar com a vontade dos outros.

No entanto, essa que foi chamada de a "pior" vontade pode ser também uma vontade genuína e inocente. É  a vontade da criança que ainda levamos dentro, entranhada. É o desejo de açúcar, de traquinagem, de fazer algo escondido, de  quebrar algumas regras, de imitar os adultos. A "pior" vontade é curiosa, quer observar pelo buraco da fechadura e depois, mais ousadamente,  abrir a porta e entrar no quarto proibido. A "pior" vontade é a de não se enraizar, não assinar contrato de exclusividade, não firmar  compromisso, não render-se às vontades fixas, apenas às vontades momentâneas,porque as fixas correm o risco de deixar de serem vontade para se transformarem em vaidade - como se sabe, há sempre aqueles que se envaidecem da própria persistência.

A "pior" vontade não quer ganhar medalha de honra ao mérito, não quer posar para fotografias, não quer completar bodas de ouro nem ser jubilada. A "pior" vontade não faz  a menor questão de ser percebida, ela quer  ser realizada. É quando você sabe que não deveria, mas vai. Sabe que não será fácil, mas enfrenta. Sabe que tomarão como agressão, mas arrisca. Aqui, cabe lembrar: apenas se  sentem agredidos aqueles que te invejam.

A vontade oficial,a vontade santinha, a que não causa incômodo é a outra, a aprovada pela sociedade, a que não leva em conta o que vai no seu íntimo, e sim a opinião pública. É a vontade que todos nós, de certa forma, temos de mostrar para os outros que somos felizes, sem saber que para conseguir isso é preciso, antes, ter a "pior" vontade, aquela que faz você descobrir que ser feliz é ter consciência do efêmero, é  saber-se capaz de agarrar o instante, é lidar bem com o que não é definitivo - ou seja,tudo.

É com essa "pior" vontade de viver que você atrai os outros, que seu magnetismo cresce, que seu rosto rejuvenesce e que você fica mais  interessante. É uma pena  que nem todos tenham a sorte de deixar vir à tona esta  que Clarice Lispector chamou de a pior  vontade  de viver, que secretamente, é a melhor.
                                                              Martha Medeiros



 

domingo, 25 de novembro de 2012

Espero que você encontre...


O texto  que  vou indicar  abaixo  é de Fabríco Carpinejar. Amo a  leveza da sua  escrita   , a  sutileza  com  que  ele  trabalha as palavras  e o poder que  tem  de equilibrar  romantismo com a realidade.

Serra da Piedade - Set/2012

Venha, por favor.
 
 
 
 
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão dos meus irmãos. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o café desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educado a ponto de estendê-lo no cabide. Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.
 




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 18/09/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17196


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Valeu conhecer o Pirulla!

Nem tudo está perdido, depois de ler o babaca  texto do Guzzo,  tive a oportunidade de descobrir  esse  belíssimo video explicativo do Pirulla .
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Virgindade

Quanto vale a nossa virgindade ?

Por maior que seja o espaço que conquistemos na sociedade ano após ano, e ainda que sigamos incansáveis na luta por mais autonomia, vez ou outra uma notícia – e sua repercussão junto ao nosso ciclo de conhecidos – nos faz lembrar que ainda vivemos na idade média quando o assunto é o corpo da mulher e, mais especificamente, sua sexualidade.No mês de outubro, o assunto voltou à tona em torno da brasileira Carolina Migliorini, de 20 anos, que levou sua virgindade a um leilão. A iniciativa integra a produção de um documentário sobre a virgindade e teve o lance final realizado por um japonês, que pagará R$1,5 milhão pela “primeira noite” da garota.

Não faltaram, pois, julgamentos à conduta de Carolina – como se não coubesse ao indivíduo escolher o que fazer com o próprio corpo, com os próprios buracos, sejam eles financeiros, afetivos ou sexuais. De qualquer forma, se no campo da sexualidade temos que nos deparar com toda sorte de tabus e moralismos, quando o que está em questão é a sexualidade feminina o terreno é ainda mais tortuoso. Tanto é que um jovem russo que também participou do projeto e também teve sua virgindade levada a leilão, não mereceu tanta atenção, nem tantas ofertas. Nem tantos ataques. Moralismo por moralismo, as mulheres sempre pagam mais caro.

Se o fato de uma garota colocar à venda sua primeira experiência sexual é capaz de despertar a ira de uns tantos preocupados com a vida alheia, ora, por que ninguém condena o sujeito disposto a pagar R$1,5 milhão para ‘dormir’ com a jovem? Não estamos falando de um mesmo ato? Por que apenas ela teria a reputação manchada nesse episódio?

Sequer precisamos falar desse polêmico leilão para constatar o quanto, apesar de toda luta pela emancipação feminina, o valor (ou a pureza, ou a honra, ou o caráter) de uma mulher ainda parece estar atrelado à sua experiência sexual. Inexperiência, melhor dizendo: quanto mais inexperiente, melhor. Os exemplos proliferam ao nosso lado: eu mesma fui educada para me preservar virgem para o casamento – e isso, suponho, a contra gosto da minha própria mãe que, no fim das contas, nunca me censurou de fato por não ter feito valer essa premissa da tradicional família mineira. Mas é preciso salvaguardar a imagem de nossas netas, de nossas filhas: afinal, o que vão pensar?

É provável que no meu e no seu círculo social pareçam cada vez mais raros os exemplos de famílias que ainda valorizem a virgindade de uma mulher, e de homens que ainda façam questão de se casar com uma garota virgem. Mas vez ou outra o assunto volta à tona, para nos fazer lembrar que ainda estamos muito atrasados na empreitada de fazer valer a autonomia sexual da mulher. Mais cedo ou mais tarde, aquele seu amigo descolado da faculdade vai deixar escapar um comentário que vai te fazer ter vergonha de ter convivido com ele tanto tempo sem perceber o quão babaca ele poderia ser. São instantes que nos fazem pensar que não importa o quanto você se esforce para ser competente no que faz ou para conduzir suas escolhas com honestidade e respeitando os que te cercam: no fim das contas, o que você faz – e sobretudo o que você não faz – com a sua vagina parece dizer mais sobre sua integridade, sobre o seu “valor”.

O tipo de pensamento que nos faz patrulhar a virgindade de uma garota que decide vender sua primeira experiência sexual é, em sua origem, o mesmo tipo de moral que faz com que coronéis, vereadores, comerciantes e militares estuprem garotas de 10, 12 anos no Norte (e em tantos outros becos) do país.

Se no caso de Carolina temos uma mulher maior de idade valendo-se de um arcabouço moral ultrapassado para transformar sua virgindade em dinheiro, no caso das índias do Amazonas temos relatos claros de exploração sexual de menores, que trocam sua iniciação sexual por ameaças e chocolates. Notemos que, aqui, não se trata apenas da manutenção de relações sexuais com crianças e adolescentes, mas do mercado da virgindade, mantido por homens “de família”, muitos deles “honestos”, trabalhadores e casados. “Homens de bem” – ao contrário do que, aos olhos de muitos, passaram a ser essas garotas não mais inocentes.

Enquanto o exercício da sexualidade se perpetuar como um exercício do poder – em detrimento de ser nada mais que o exercício do prazer –, continuaremos a nos alarmar com garotas que trocam sua primeira noite por dinheiro, e seremos, de certa forma, cúmplices de homens que “só querem fazer valer o instinto” de desvirginar uma criança.

** Débora Viera é atriz, feminista e vadia. Escreve no BHAZ às segundas-feiras.

 

 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012