segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Virgindade

Quanto vale a nossa virgindade ?

Por maior que seja o espaço que conquistemos na sociedade ano após ano, e ainda que sigamos incansáveis na luta por mais autonomia, vez ou outra uma notícia – e sua repercussão junto ao nosso ciclo de conhecidos – nos faz lembrar que ainda vivemos na idade média quando o assunto é o corpo da mulher e, mais especificamente, sua sexualidade.No mês de outubro, o assunto voltou à tona em torno da brasileira Carolina Migliorini, de 20 anos, que levou sua virgindade a um leilão. A iniciativa integra a produção de um documentário sobre a virgindade e teve o lance final realizado por um japonês, que pagará R$1,5 milhão pela “primeira noite” da garota.

Não faltaram, pois, julgamentos à conduta de Carolina – como se não coubesse ao indivíduo escolher o que fazer com o próprio corpo, com os próprios buracos, sejam eles financeiros, afetivos ou sexuais. De qualquer forma, se no campo da sexualidade temos que nos deparar com toda sorte de tabus e moralismos, quando o que está em questão é a sexualidade feminina o terreno é ainda mais tortuoso. Tanto é que um jovem russo que também participou do projeto e também teve sua virgindade levada a leilão, não mereceu tanta atenção, nem tantas ofertas. Nem tantos ataques. Moralismo por moralismo, as mulheres sempre pagam mais caro.

Se o fato de uma garota colocar à venda sua primeira experiência sexual é capaz de despertar a ira de uns tantos preocupados com a vida alheia, ora, por que ninguém condena o sujeito disposto a pagar R$1,5 milhão para ‘dormir’ com a jovem? Não estamos falando de um mesmo ato? Por que apenas ela teria a reputação manchada nesse episódio?

Sequer precisamos falar desse polêmico leilão para constatar o quanto, apesar de toda luta pela emancipação feminina, o valor (ou a pureza, ou a honra, ou o caráter) de uma mulher ainda parece estar atrelado à sua experiência sexual. Inexperiência, melhor dizendo: quanto mais inexperiente, melhor. Os exemplos proliferam ao nosso lado: eu mesma fui educada para me preservar virgem para o casamento – e isso, suponho, a contra gosto da minha própria mãe que, no fim das contas, nunca me censurou de fato por não ter feito valer essa premissa da tradicional família mineira. Mas é preciso salvaguardar a imagem de nossas netas, de nossas filhas: afinal, o que vão pensar?

É provável que no meu e no seu círculo social pareçam cada vez mais raros os exemplos de famílias que ainda valorizem a virgindade de uma mulher, e de homens que ainda façam questão de se casar com uma garota virgem. Mas vez ou outra o assunto volta à tona, para nos fazer lembrar que ainda estamos muito atrasados na empreitada de fazer valer a autonomia sexual da mulher. Mais cedo ou mais tarde, aquele seu amigo descolado da faculdade vai deixar escapar um comentário que vai te fazer ter vergonha de ter convivido com ele tanto tempo sem perceber o quão babaca ele poderia ser. São instantes que nos fazem pensar que não importa o quanto você se esforce para ser competente no que faz ou para conduzir suas escolhas com honestidade e respeitando os que te cercam: no fim das contas, o que você faz – e sobretudo o que você não faz – com a sua vagina parece dizer mais sobre sua integridade, sobre o seu “valor”.

O tipo de pensamento que nos faz patrulhar a virgindade de uma garota que decide vender sua primeira experiência sexual é, em sua origem, o mesmo tipo de moral que faz com que coronéis, vereadores, comerciantes e militares estuprem garotas de 10, 12 anos no Norte (e em tantos outros becos) do país.

Se no caso de Carolina temos uma mulher maior de idade valendo-se de um arcabouço moral ultrapassado para transformar sua virgindade em dinheiro, no caso das índias do Amazonas temos relatos claros de exploração sexual de menores, que trocam sua iniciação sexual por ameaças e chocolates. Notemos que, aqui, não se trata apenas da manutenção de relações sexuais com crianças e adolescentes, mas do mercado da virgindade, mantido por homens “de família”, muitos deles “honestos”, trabalhadores e casados. “Homens de bem” – ao contrário do que, aos olhos de muitos, passaram a ser essas garotas não mais inocentes.

Enquanto o exercício da sexualidade se perpetuar como um exercício do poder – em detrimento de ser nada mais que o exercício do prazer –, continuaremos a nos alarmar com garotas que trocam sua primeira noite por dinheiro, e seremos, de certa forma, cúmplices de homens que “só querem fazer valer o instinto” de desvirginar uma criança.

** Débora Viera é atriz, feminista e vadia. Escreve no BHAZ às segundas-feiras.

 

 

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