segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Entrevista de Howard Gardner


A teoria das inteligências multiplas causou grande impacto na Educação. Após 25 anos o que mudou?
Durante centenas de anos, os psicólogos seguiam uma teoria: se você é inteligente, é assim pra tudo. Se é mediano, se comporta desta maneira todo o tempo. E se você é burro, é burro sempre. Dizia-se que a inteligência era determinada pela genética e que era possível indicar quão inteligente é uma pessoa sumetendo-a a testes. Minha teoria vai na contramão disso. Se você me pergunta se minhas ideias tiveram impacto significativo, eu digo que não. Não há escolas e cursos Gardner, mas pessoas que houvem falar dessas coisas e tentam usá-las.
As escolas têm dificuldade em acompanhar mudanças como essa?
As instituições de ensino mudam lentamente e estão preparando jovens para o século 19 e 20. Além disso, os docentes lecionam do modo como foram ensinados. Mesmo que sejam expostos a novos conhecimentos, é preciso que eles queiram aprender a usá-los. Se isso não ocorre nada muda.
Como fazer a individualização do ensino numa sala com 40 estudantes?
Realmente é mais fácil individualizar o ensino numa sala com dez crianças e em instituições ricas. Mas, mesmo sem essas condições ideais, é possível: basta organizar grupos formados por aqueles que têm habilidades complementares e ensinar de modos diferentes. Se o professor entende a teoria, consegue lançar mão de outras formas de trabalhar - como explorar o que há no entorno da escola. Se ele acredita que só com equipamentos caros vai conseguir bons resultados em sala de aula, não entendeu a essência do pensamento.
A lista de conteúdos está cada vez maior. Como dar conta do programa e ainda variar a metodologia?
É um erro enorme acreditar que por termos mais a aprender, necessitamos ensinar mais. A questão central é que várias coisas que antes tinham de ser memorizadas agora estão facilmente disponíveis para pesquisa. Colocar uma quantidade cada vez maior na cabeça da garotada é um desastre . Infelizmente, essa é uma prática comum em diversos cantos do mundo. Depois de viajar muito, posso afirmar que o interesse de diversos ministros da Educação é apenas fazer com que seu país se saia bem nos testes internacionais de avaliação. E isso é ridículo.
Qual a sua avaliação sobre a Educação brasileira?
Acredito que, se o Brasil quer ser uma força importante no século 21, tem de buscar uma forma de educar que tenha mais a ver com seu povo, e não apenas imitar experiências de fora, como as dos Estados Unidos e da Europa. O país precisa se olhar no espelho, em vez de ficar olhando a bússola.
Sua teoria inclui um método adequado de avaliá-la?
Gastamos bilhões de dólares desenvolvendo testes para medir o nível que está a Educação, mas eles, por si só, não ajudam a aprimorá-la - simplesmente nos dizem quem está melhor ou pior. Para saber isso, basta olhar para as notas. A diferença dos testes de inteligências multiplas é que é necessários aplicá-los somente naqueles que tem dificuldades. Assim, podemos verificar as formas de ensinar mais adequadas a eles, ajudando todos - e a educação de fato.
Os testes de QI sofreram muitas críticas de sua parte. Por quê?
A maior parte dos testes mede a inteligência lógica e de linguagem. Quem é bom nas duas é bom aluno. Enquanto estiver na escola, pensará que é inteligente. Porém se decidir dar um passeio pela cidade, rapidamente descobrirá que outras habilidades fazem falta, como espacial e a intrapessoal - a capacidade que cada um tem de conhecer a si mesmo, é fundamental hoje.
De que forma essa habilidade pode ser determinante para o sucesso?
Ela não era importante no passado porque apenas repetíamos o comportamento dos nossos pais . Agora, todos necessitamos tomar decisões sobre onde morar, que carreira seguir e se é hora de casar e ter uma família. E quem não tem um entendimento de si mesmo comete um erro atrás do outro.
Qual o desafio do mundo para os próximos anos em relação à Educação?
Estamos vivendo três poderosas revoluções. Uma delas é a globalização. As pessoas trabalham em empresas multinacionais e mudam de país, o que é bem diferente de quando as populações não tinham contato umas com as outras. A segunda revolução é biológica. Todos os dias , o conhecimento científico se aprimora e isso afeta a maneira de ensinar e de aprender. O cérebro das crianças poderá ser fotografado no momento que estiver funcionando , permitindo detectar onde estão os pontos fortes e fracos e a melhor forma de aprender. A terceira revolução é a digital, que envolve realiade virtual, programas de mensagens instantâneas e rede sociais. Tudo isso vai interferir na forma de pensar a Educação no futuro.
O livro "Cinco Mentes Para o Futuro" aborda as características essenciais a ser desenvolvidas pelos humanos . Como isso se relaciona com as inteligências multiplas?
As cinco mentes não estão conectadas com as inteligências e são possibilidades que devemos nutrir. A primeira é a mente disciplinada - se queremos ser bons em algo, temos de nos esforçarmos todos os dias. Isso costuma ser difícil para os jovens, que mudam rapidamente de uma tarefa para outra. Essa mente pressupõe ainda a necessidade de compreender as formas de raciocínio que desenvolvemos : histórica, matemática, artística e científica. O problema é que muitas escolas ensinam somentes fatos e informações.
Como lidar com o excesso de informações a que temos acesso hoje?
Essa capacidade é dominada por um segundo tipo de mente, a sintetizadora. Ela nos aponta em que prestar atenção e como os dados podem ser combinados . É preciso ter critério para fazer julgamentos e saber como comunicar-se de forma sintética. Para os educadores, era mais fácil sintetizar quando usavam-se apenas um ou dois livros.
Qual é o terceiro tipo de mente?
A criativa . Ela levanta novas questões, cria soluções e é inovadora. Pessoas deste tipo gostam de arriscar e não se importam de errar e tentar de novo. Essa é a mente que pensa fora da caixa . Mas você só consegue isso quando tem uma caixa : disciplina e síntese. Por isso, o conselho que dou é dominar a disciplina na juventude para ter mais tempo de ser criativo.
O livro aponta também habilidades associadas a virtudes morais.
Uma delas envolve o respeito - e é mais fácil explicar a mente respeitosa do que alcançá-la. Ela começa com o reconhecimento de que cada ser humano é único e, por isso, tem crenças e valores diferentes. A questão é o que fazemos com essa conclusão. Nós podemos matar e discriminar os diferentes ou tentar entendê-los e cooperar com eles. Desde que nascem, os humanos percebem se vivem num ambiente respeitoso. Observam como os pais se relacionam e tratam os filhos, como os mestres interagem com os colegas e com os estudantes e assim por diante.
Essa última habilidade se relaciona à ética, certo?
Sim. No que se refere à ética, é necessário imaginar-se com multiplos papéis: ser humano, profissional e cidadão do mundo. O que fazemos não afeta uma rua, mas o planeta. Temos de pensar nos nossos direitos, mas também nas responsabilidades. O mais difícil em relação à ética é fazer a coisa certa mesmo quando essa atitude não atende nossos interesses. Ao resumir esses dois últimos tipos de mente, eu diria que pessoas que têm atitudes éticas merecem respeito. O problema é que muitas vezes respeitamos alguém só pelo dinheiro ou pela fama. O mundo certamente seria melhor se dirigíssemos nosso respeito às pessoas extremamentes éticas.
O ideal é que as cinco mentes sejam desenvolvidas?
Sim. No entanto, elas não se adaptam umas às outras de forma fácil. Sempre haverá tensão entre a disciplina e a criatividade e entre o respeito e a ética . Cabe você respeitar colegas e superiores, mas, se eles fizerem algo errado, como agir? Ignorar o fato ou confrontá-lo? Saber conciliar os diferentes tipos de mente é um desafio para a inteligência intrapessoal. Só você pode se entender e achar seu caminho.
Um dos foco de seu projeto Good Work, prevê a formação de bons trabalhadores. Como eles podem ser identificados?
Eles possuem excelência técnica, são altamente disciplinados, engajados e envolvidos e gostam do que fazem. Além disso também são éticos. Estão sempre se questionando sobre que atitudes tomar, levando em conta a moral e a responsabilidade e não o que interessa para o bolso deles. O bom cidadão se envolve nas decisãoes, participa, conhece as regras e as leis : isso é excelência. Por último não tente se eneficiar à custa disso. Há pessoas bem informadas que só promovem o próprio interesse . O bom cidadão não pergunta o que é bom para ele, mas para o país.

Howard Gardner - Inteligências Multiplas


Howard Gardner, se dedica a estudar a forma como o pensamento se organiza, balançou as bases da educação ao defender, em 1984, que a inteligência não pode ser medida só pelo raciocínio lógico-matemático, geralmente o mais valorizado na escola. Há outros tipos de inteligência: musical, espacial, linguística, interpessoal, intrapessoal, corporal, naturalista e existencial.
Gardner tem um novo foco de pensamento, organizado no que chama de cinco mentes para o futuro, em que a ética se destaca. "Não basta ao homem ser inteligente. Mais do que tudo é preciso ter caráter" diz citando o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882). E completa: "O planeta não vai ser salvo por quem tira notas altas nas provas, mas por aqueles que se importam com ele".
Autor do livro Multiple Intelligences Around the World (ainda não editado no Brasil), defende o comportamento ético.
Frases Marcantes:
"É difícil fazer o certo se isso contraria nossos interesses"
"Os educadores devem conhecer ao máximo cada um de seus alunos e, assim, ensiná-los da maneira que eles melhor poderão aprender."
"Há pessoas bem informadas que só promovem o próprio interesse. O bom cidadão não pergunta o que é bom pra ele, mas para o país."
Transcreverei na próxima postagem uma entrevista que ele deu num Congresso em Curitiba .