quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Stand By Me

Apaixonar

Eu passei grande parte da minha vida escutando a frase feita que mais sucesso faz no universo maravilhoso das crenças falsas: Não escolhemos por quem nos apaixonamos. É verdade,
 não escolhemos. Podemos nos apaixonar por gente que não vale um miligrama do que come. É mais assustador considerar que nós mesmos podemos ser estas pessoas na vida de outro alguém que também sofre por nós. Mas em qualquer um dos casos, eu sou inclinado a concordar que, de fato, não escolhemos  por quem nos apaixonamos . Paixão, como o nome diz, vem do grego pathos, o mesmo termo que dá origem  a "patológico". A paixão é prima-irmã da doença. E ninguém escolhe se apaixonar, tanto quanto não escolhemos ficar gripados ou pegar caxumba. Acontece.

Epa! Mas então por que será  que eu digo que isso  faz parte do universo das crenças falsas? Ora, não é preciso muito esforço para perceber que por mais que não escolhamos por quem nos apaixonamos, esta "condição de vítima"  esta  "condição passiva" não é de forma alguma  fatídica  ou determinante. Se percebermos que nos apaixonamos pela pessoa errada, ainda assim temos escolhas. Temos a escolha, por exemplo,  de  não querer contato.Temos a escolha de, mesmo apaixonados por quem não deveríamos estar, racionalizarmos minimamente o processo de modo a não colocarmos à mercê de quem  nos faz mais mal do que bem. Não estou falando de eventuais sofrimentos. Qualquer relacionamento saudável tem sua cota de sofrimento. Estou falando de apaixonar-se por alguém que, por diversas razões, se revela destrutivo para sua vida. Há muitas razões para isso: a pessoa pode ser comprometida e ficar te enrolando infinitamente; a pessoa pode mentir tanto que nem sabe mais discernir  o que é verdadeiro do que é falso; a pessoa pode ter um ciúme digno de figurar numa peça teatral de Sheakespere ( e acredite, o ciúme shakesperiano não tem nada de bonito). Em suma, não irei aqui dizer o que é uma pessoa que nos faz mal. Nós sabemos  quando uma pessoa nos faz mal. E ela pode nos fazer mal mesmo sendo uma boa pessoa. Basta que a paixão não seja correspondida. E, convenhamos, niguém tem culpa de não se apaixonar pela gente, não é mesmo? Acontece.

Amor e paixão

É por isso que  a paixão sempre estará abaixo do amor e nunca lhe chegará aos pés. Porque a paixão trata de fantasia, e o amor, de realidade.

Porque apaixonar-se é sempre por causa de: por causa da beleza do outro, por causa da sua inteligência ou de várias características sedutoras que o outro apresenta. E amar, ao contrário, é sempre apesar de. Amamos alguém apesar de seus defeitos, apesar de conhecernos seus lados mais sombrios. O amor enxerga, e muito bem. Quem sofre de cegueira é a paixão.

Apaixonar-se é absolutamente natural, e mais natural ainda é que esta paixão dê lugar ao amor na medida em que o tempo passe e aquela pessoa perfeita se converta naquilo que ela efetivamente é: uma pessoa.  Isso quando a paixão é correspondida e é saudável.

Insistência em paixões infucionais, apego por quem nos faz sofrer, essas coisas não tem nada de amor e tem tudo de imaturidade ou, em alguns casos, têm  a ver com desejo de autodestruição.

Não escolhemos por quem nos apaixonamos. Mas escolhemos dar corda para isso. E quando a paixão se revela destrutiva como uma doença, o tratamento é evidente: afastar-se do que nos causa mal é prerrogativa inicial básica para o retorno a um estado centrado. Em seguida, procurar trazer as projeções e expectativas passionais à luz da análise pode ajudar a mudar nosso gosto, permitindo que nos apaixonemos por pessoas melhores. Gosto é uma coisa que se refina com o tempo e com boa vontade. Assim é na música, na literatura, na culinária e nos relacionamentos humanos não é diferente. A paixão é uma parte nossa, mas não somos nós. E jamais, nunca deveria ser a força mais poderosa a nos guiar a vida. Aliada a paixão devem vir as considerações racionais. E quem acha que uma coisa exclui a outra ou ainda está na adolescência ou precisa de uma educação para a vida, de uma efetiva educação filosófica que lhe permita ir além  deste falso cenário em que as coisas são da paixão ou são da razão. Afinal, é do contraste e da dança paixão-razão que brota a vida em sua forma mais plena e bem vivida.


Texto adaptado  - autor: Alexey Dodswort