terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Livros...livros

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, bom estar registrando aqui o que estou  sentindo: Ou seja, de (bem) com a vida  e  em PAZ. Ganhei quatro livros  de presente  e prometi a mim mesma  que iria ler por ordem  de presente e logo após ler essa crônica, vim correndo pra cá  para  dividí-la  com vocês. Ganhei o livro "As Melhores Crônicas de Rubem Alves" da Lucinha e do Marquinho, um doce casal  que adoro trocar ideias, livros e jogar  conversa fora rsssssssssss.Pra quem nunca leu Rubem Alves, sugiro que comece  com esse. Digitarei a crônica que mais gostei e que me tocou (eu não  a conhecia) e caiu muito bem  com o momento que eu estou passando. Vou digitá-la na íntriga, se tiver algum erro, levem em conta a emoção.




É conversando que  a gente se desentende

 
 

É de madrugada, naquele intervalo confuso entre o sono e o estar acordado, que os deuses me fazem suas revelações. Acontece, então, que as coisas mais banais aparecem à minha frente pelo avesso, o que muito me surpreende porque, pelo avesso, as coisas são o oposto do que parecem ser pelo direito./ Hoje, por exemplo, os deuses revearam-me que a separação vem da compreensão. Para se ficar junto é melhor não entender. Isso é o oposto do que pensam os casais que vivem brigando. Acham que suas brigas devem-se ao fato de não se entenderem e pedem então socorro aos terapeutas, quem sabe a terapia fará com se entendam melhor, o que é fato, mas a conclusão não segue a premissa. Não é certo que, depois de se entenderem melhor, vão ficar juntos./ Frequentemente é no exato momento da compreensão que a separação torna-se inevitável. Nada garante  que o compreendido seja gostado. Prova disso é o que aconteceu com meu sogro, que odiava miolo. Convidado para jantar, deliciou-se, repetiu  e fartou-se com uma maravilhosa couve-flor empanada. Ao final do banquete, cumprimentou a anfitriã pelo prato divino. Mas ela logo explicou:"Não é couve-flor, é miolo empanado...". E ele entendeu, entendimento que o catapultou na direção do banheiro mais próximo, onde o jantar foi vomitado. É assim. Às vezes, quando  a gente não entende, come  e gosta. Quando entende.desgosta e vomita./ Afirmação assim avessa, tão contrária ao senso comum, exige uma explicação_ e é o que passo a fazer, por meio de uma longa curva que, na geometria não-euclidiana da alma, é o caminho mais curto entre dois pontos./Abri, no meu micro, um arquivo com o nome de "Encíclicas". Coloco ali o texto das encíclicas que vou promulgar quando for eleito Papa. Como se sabe, o Papa Leão XIII, em 1891, promulgou a encíclica De Rerum Novarum, que quer dizer "Sobre as coisas novas". De repente, a igreja, que até então acreditava que tudo o que merece  ser conhecido estava guardado no seu baú milenar de doutrinas, percebeu,com um susto, que coisas novas, interessantíssimas, aconteciam no mundo./ E o bom Papa apressou-se a passar essa informação adiante. Esse foi o início de um enorme esforço de modernização da Igreja que não deu certo, pois não se coloca remendo de pano novo em pano velho. O pano velho começou a rasgar... Desejoso de reparar o mal que a encíclica De Rerum Novarum causou, escrevi a sua antítese,   a encíclica De Rerum Vetustarum, ou seja, "Sobre as coisas velhas"./ E a sua substância é extraordinariamente simples.Reza a encíclica que, do momento de sua publicação para frente, tudo, absolutamente tudo o que ocorrer na igreja, as fórmulas litúrgicas, as bençãos sacerdotais, batizados, crismas, casamentos, funerais, hinos, leituras dos textos sagrados, encíclicas, e mesmo as falas do padre ao confessionário, tudo deverá ser feito em latim.Ah! Como é belo o latim! Soa como uma "Liturgia de Cristal", música pura./ A música  é a poesia no seu ponto máximo, quando as palavras perdem  completamente qualquer sentido e transformam-se em beleza pura, beleza que não busca significações. Beleza inefável, sem palavras: sobre ela não pode haver querelas. Assim, se tudo na igreja acontecesse em latim, seria como se tudo só fosse música _ não haveria possibilidade de desentendimentos./ Se os padres e os bispos falassem em latim,  a gente não entenderia nada e amaria tudo. Pois a música é assim: a gente ama sem entender. Sabia disso muito bem o oráculo de Delfos, sábio e esperto, que jamais falava qualquer coisa que os outros entendessem. A linguagem clara e distinta mata a fantasia. Falava ele os seus enigmas, música pura, língua estranha.Não é por acaso que os pentecostais e os carismáticos crescem  como crescem: pelo poder da língua estranha que ninguém entende. Dentro do que ninguém entende cabe tudo: miolo vira couve-flor e o corpo e a cabeça aprovam./ Eu gostaria mesmo era de frequentar um mosteiro onde fosse proibido falar prosa _  onde só se lesse poesia e se contassem causos e estórias _ e se ouvisse música, canto gregoriano, Bach, o saxofone de Jan Gargarek, o piano de Keith Jarrett, a Carmina Burana, Jean-Pierre Rampal tocando melodias japonesas, o Maurice André e o seu pistão... Ou uma congregação Quaker, onde se cultiva o silêncio, ninguém fala, todo mundo ouve, a voz de Deus só se ouve quando todo mundo fica quieto./ A compreensão sempre dá briga. Imagino, mesmo, que foi por isso que Deus confundiu as línguas da humanidade na construção da Torre de Babel. As pessoas falavam a mesma língua. Falando, entendiam-se. Entendendo-se,compreendiam as opiniões uns dos outros. Compreendendo as opiniões uns dos outros, não gostavam delas. E daí passavam às vias de fato. Deus Todo-Poderoso compreendeu, então, que  a única forma de evitar pancadaria era fazer  com que eles  não se entendessem. E foi então que nasceu a música, a língua que ninguém entende e todo mundo ama./ É conversando que a gente se desentende. Em um momento, continuarei a minha curva, lugar onde se louvam os casamentos eternos, para chegar à casa, lugar onde se sabem que os casamentos são efêmeros. Por enquanto, fica o conselho aos casais que estão brigando. Cuidado com a conversa. Da conversa pode nascer a compreensão, da compreensão pode surgir a separação. A compreensão  pode ser tão fatal para o casamento quanto ela foi para o jantar do meu sogro. É conversando que a gente  se desentende./ Previnam-se contra a terapia de casal. Ela pode produzir compreensões insuportáveis. A compreensão pode produzir a loucura. Há loucuras que resultam da lucidez... Adotem a sabedoria milenar da Igreja: adotem o latim como língua da casa. E dediquem-se à música, dando preferência aos instrumentos de sopro, pois enquanto se sopra não se fala e, assim, a compreensão e a separação são evitadas.

 

 
 
 
 

 

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